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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A falta de amor nas igrejas do século 21

Ao lado da mornidão espiritual, a falta de amor é uma das características marcantes dos tempos trabalhosos em que vivemos.

INTRODUÇÃO

- A falta de amor é a principal característica do mundo sem Deus e se alastrará, nos dias imediatamente anteriores à vinda do Senhor, por causa da multiplicação do pecado, invadindo os corações daqueles que um dia serviram a Deus.

- Deus é amor e é impossível que quem O sirva não tenha este mesmo amor, amor que se demonstra não só por palavras, mas, principalmente, por obras (I Jo.3:18).

I. OS QUATRO TIPOS DE AMOR

- Numa das mais sucintas, mas muito profundas, definições de Deus na Bíblia, o apóstolo João, que é chamado de “apóstolo do amor”, disse que Deus é amor (I Jo.4:8b). Em seu evangelho, João, que desfrutou como ninguém da intimidade com Jesus Cristo (cfr. Jo.14:23), deixou-nos, igualmente, a mais sucinta síntese do plano da salvação, no chamado “texto-áureo” da Bíblia. Nele, uma vez mais, o apóstolo mostra qual é a essência de Deus, ao nos dizer que “Deus AMOU o mundo de tal maneira” e, assim, nos enviou Seu Filho Jesus Cristo.

- Ora, se Deus é amor, como pode gerar filhos que não tenham o mesmo amor ? Como sabemos, os filhos têm a mesma herança dos seus pais. Jamais alguém que seja feito filho de Deus (Jo.1:12), que tenha sido gerado da água e do Espírito (Jo.3:5), que seja participante da natureza divina (II Pe.2:4), não tenha, pois, o amor divino. A prova de que alguém é, realmente, um filho de Deus está, precisamente, em ter este amor. Jesus deixou-nos isto muito claro ao dizer que Seus discípulos seriam reconhecidos pelo amor(Jo.15:12; I Jo.2:10,11; 3:10,11).

OBS: “…O caminho que ultrapassa a todos os dons e ao qual todos os membros da comunidades devem aspirar é o amor. ‘ Deus é amor’ ( I Jo. 4,8), Jesus é o enviado do amor (Jo. 3,16), e o centro do Evangelho é o mandamento do amor ( Mc 12,28-34), que sintetiza toda a vontade de Deus ( Rm. 13,8-10). O amor é a fonte de qualquer comportamento verdadeiramente humano, pois leva a pessoa a discernir as situações e a criar gestos oportunos, capazes de responder adequadamente aos problemas. Os outros dons dependem do amor, não podem substituí-lo, e sem ele nada significam. O amor é a força de Deus e também a força da pessoa aliada a Deus. É a fortaleza inexpugnável que sustenta o testemunho cristão, pois ‘ tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta’. O amor é eterno e transcende tempo e espaço, porque é a vida do próprio Deus, da qual o cristão já participa. É maior do que a fé e a esperança, que nele estão contidas.” (BÍBLIA SAGRADA. Edição Pastoral, nota a I Co 13:1-13, p.1474).

- O amor mencionado nas Escrituras como sendo a essência divina é o chamado amor “agape”, assim denominado pela palavra grega utilizada em o Novo Testamento para esta espécie de amor. Com efeito, no grego, pelo menos quatro são as palavras usadas para “amor”, a saber:

a) “eros” – esta palavra não é encontrada em o Novo Testamento e vem de “Eros”, que era uma das divindades menores da mitologia grega (o “cupido” dos romanos). Este amor é o amor carnal, o instinto sexual, a atração física. Desta palavra grega temos palavras em português como “erotismo”, “erótico”, que bem descrevem a natureza deste amor. Este amor, de forma distorcida, é o difundido no mundo de hoje, dando origem a toda sorte de imoralidade e impureza sexual.

OBS: “…Nossa sociedade confunde o amor e a luxúria. Ao contrário da luxúria, o amor de Deus é dirigido exteriormente às outras pessoas, e não interiormente, a nós mesmos. É totalmente desinteressado. Esse tipo de amor é contrário às nossas inclinações naturais.…” (BÍBLIA DE ESTUDO APLICAÇÃO PESSOAL, nota a I Co.13:4-7, p.1802).

b) “filia” – esta palavra já é encontrada em o Novo Testamento(II Pe.1:7, “amor fraternal” na Versão Almeida e Corrigida). É o amor emocional, sentimental, decorrente de uma atitude de simpatia, de empatia, é a amizade. Este tipo de amor permite-nos gostar daquilo que nos agrada. É um amor que nasce do valor que damos ao ente amado. É o amor característico entre os seres humanos.

c) “ storge” – palavra que se encontra também em o Novo Testamento, ainda que como parte de palavras compostas (Rm.12:10, v.g.), é o amor existente entre pais e filhos, fruto da afeição parental, o amor mais sublime que existe entre os homens, como afirma o Senhor em Sua Palavra como vemos em Is.49:15 ou Is.66:13, ou quando considera a Deus como Pai.

d) “agape” – também se encontra esta palavra em o Novo Testamento. É a palavra utilizada todas as vezes em que se menciona um amor que tem como origem o próprio Deus, a começar do chamado ” texto áureo da Bíblia”. É um amor que não leva em consideração o valor do ente amado, que não se importa em satisfação própria, mas que tem prazer tão somente no benefício do ente amado.

OBS: João Ferreira de Almeida, o primeiro tradutor da Bíblia para a língua portuguesa, querendo manter a distinção entre “filéo” e “agape” do texto original grego, traduziu “filéo” por “amor” e “agape” por “caridade”. O uso da palavra “caridade” acabou causando alguma confusão, pois, através dos séculos(a Bíblia foi traduzida por Almeida no século XVII), a palavra “caridade” acabou adquirindo um outro significado, qual seja, o de ajuda aos pobres e necessitados, o de dar esmolas. Por causa disso, foi a palavra substituída na Versão Revista e Atualizada de Almeida e em outras traduções posteriores. De qualquer maneira, quem utiliza o texto da Versão Revista e Corrigida de Almeida, não pode se confundir: “caridade” no texto quer dizer “amor divino”, tanto assim que Paulo faz questão de dizer que “caridade” não é “dar esmola aos pobres” (cfr. I Co.13:3).

- O amor de Deus é diferente do amor que tem nascimento no homem. Como disse Jesus a Nicodemos, quem nasce de novo, nasce da água e do Espírito, não nasce da carne, ou seja, da natureza pecaminosa do homem. O homem é um ser sensível (embora, muitas vezes, o pecado esteja em estágio tão avançado que o homem se torna tão embrutecido que seja muito custoso encontrarmos alguma sensibilidade) e, como tal, ele chega a amar pela sua própria natureza. Mas este amor proveniente do homem, este amor que tem fruto na natureza pecaminosa do homem, não é o amor de que estamos aqui a falar. Este amor que nasce do homem é egocêntrico, ou seja, busca os seus próprios interesses. Amamos porque o ente amado nos faz bem, nos traz algum benefício. Amamos aquelas pessoas cuja companhia nos é agradável; amamos as coisas que nos trazem satisfação. Por isso, por exemplo, muitos amam o dinheiro, porque ele traz aos que o possuem coisas agradáveis, permitem a satisfação de suas necessidades. Quem busca a Deus única e exclusivamente para ter benefícios desta comunhão vive este amor humano. Ama a Deus porque Ele lhe proporciona saúde, riqueza, prosperidade, mas, se vierem as dificuldades, as lutas e as provações, estas pessoas deixam de amar o Senhor, precisamente porque este amor não é o verdadeiro amor divino, o amor “agape”, mas apenas um amor emocional, sentimental, nascido na natureza carnal.

- O amor proveniente de Deus, o amor peculiar à natureza divina é o amor que leva em consideração o outro, não a si próprio. Deus não ama o homem porque tenha o homem algum valor diante de Deus. O homem e toda a sua justiça, como bem descreveu o profeta, não passa de trapo de imundícia (Is.64:6). Diante do Senhor, o homem é como um vapor, é como a erva do campo (Tg.5:14; I Pe.1:24). Apesar disto tudo, Deus nos ama e nos quer bem a todo instante e, neste amor, humanizou-Se e Se fez maldito para nos proporcionar o restabelecimento da comunhão perdida por causa do pecado e, assim, tornar possível que voltemos a viver eternamente na Sua companhia !

- A busca e o desenvolvimento deste amor no nosso ser é o caminho a ser seguido pelo cristão. Formar Jesus em nós (cfr. Gl.4:9) nada mais é que conseguirmos amar como Jesus nos amou (Jo.15:9,10,12). Por isso, Paulo insistiu tanto com os coríntios para que trilhassem o caminho mais excelente, que é, precisamente, o da aquisição e prática do amor (I Co.12:31).

OBS: “…É impossível ter esse amor a menos que Deus nos ajude a colocar nossos próprios desejos naturais de lado, de forma que possamos amar a não esperar nada em troca. Desse modo, quanto mais nos tornarmos semelhantes a Cristo, mais amor mostraremos para com os outros.” (BÍBLIA DE ESTUDO APLICAÇÃO PESSOAL, nota a I Co.13.4-7, p.1602).

- É preciso ter amor para ser filho de Deus(I Jo.4:7) e, por isso, o amor é o pressuposto, é o elemento primeiro e indispensável para que alguém seja um cristão e possa ser um vaso de bênçãos nas mãos do Senhor. O verdadeiro fruto do Espírito Santo, portanto, o resultado do novo nascimento outro não é senão a criação do amor divino no homem e a sua demonstração aos semelhantes e a todo o Universo. Por isso é bem elucidativo o título de nossa lição: o fruto do Espírito é o amor.

OBS: “… O essencial na autêntica fé cristã é o amor segundo uma ética que não prejudique o próximo e que persevere na lealdade a Cristo e à Sua Palavra.” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, nota a I Co.13:4-7, p.1761).

- Recentemente, em sua primeira encíclica, denominada “Deus caritas est” (em latim, “Deus é amor”), o chefe da Igreja Romana, o papa Bento XVI, defendeu a tese de que amor de Deus é, a um só tempo, “eros” e “agape”. Entendendo que o verdadeiro “eros” não é o amor puramente sensual que se torna em motivador da prostituição e do decaimento moral, o chefe da Igreja Romana interpreta o “eros” como sendo a paixão pelo outro que move em direção ao outro, a atração pelo outro e, neste sentido, Deus teria demonstrado a Sua “paixão” pelo homem, buscando-o através do plano da salvação: “…Ele[Deus, observação nossa] ama, e este Seu amor pode ser qualificado sem dúvida como eros, que no entanto é totalmente agape também (…).Deus é absolutamente a fonte originária de todo o ser; mas este princípio criador de todas as coisas — o Logos, a razão primordial — é, ao mesmo tempo, um amante com toda a paixão de um verdadeiro amor. Deste modo, o eros é enobrecido ao máximo, mas simultaneamente tão purificado que se funde com a agape. Daqui podemos compreender por que a recepção do Cântico dos Cânticos no cânone da Sagrada Escritura tenha sido bem cedo explicada no sentido de que aqueles cânticos de amor, no fundo, descreviam a relação de Deus com o homem e do homem com Deus. E, assim, o referido livro tornou-se, tanto na literatura cristã como na judaica, uma fonte de conhecimento e de experiência mística em que se exprime a essência da fé bíblica: na verdade, existe uma unificação do homem com Deus — o sonho originário do homem —, mas esta unificação não é confundir-se, um afundar no oceano anônimo do Divino; é unidade que cria amor, na qual ambos — Deus e o homem — permanecem eles mesmos mas tornando-se plenamente uma coisa só: « Aquele, porém, que se une ao Senhor constitui, com Ele, um só espírito » — diz São Paulo (1 Cor 6, 17).…” (“Deus caritas est”, nn.9 e 10. Disponível em:

- Não tem sido esta a realidade de muitos que cristãos se dizem ser. Muitos não demonstram qualquer afeto natural, não revelam traço algum de compaixão, vivendo irados, nervosos e estressados, sem qualquer sensibilidade, pouco diferindo das verdadeiras “bestas-feras” que andam vagueando por este mundo desalmado. Em muitos casos, inclusive, são obreiros que não têm qualquer paciência de ouvir as pessoas, de tratar com elas de modo amoroso e sensível. Cumpre-se, neste passo, a palavra do profeta: “Porque os pastores se embruteceram e não buscaram ao Senhor; por isso, não prosperaram, e todos os seus gados se espalharam.”(Jr.10:21).

- Em nono lugar, o apóstolo Paulo diz-nos que o amor não suspeita mal (I Co.13:5), ou seja, quem ama não faz suposições maldosas contra o próximo, não é preconceituoso, não julga precipitadamente pela aparência, não se acha superior aos demais. Jesus determinou que não devemos julgar com base na aparência, mas de acordo com a reta justiça (Jo.7:24). O amor tudo crê (I Co.13:7), é crédulo, não é desconfiado nem tendencioso. Será que temos tratado as pessoas sem preconceitos, sem suspeitas, ou temos estado com nossos espíritos prevenidos, levando em conta tão somente a aparência do próximo, como se fôssemos juízes dos demais (Tg.4:12). Jesus nunca suspeitou os outros mal, a ponto de, mesmo sabendo que estava sendo traído, ter chamado Judas de amigo (Mt.26:50).

- A desconfiança, o “pé atrás” tem sido a tônica no comportamento de muitos, gerando um clima de falta de unidade que só tem contribuído para o prejuízo da obra do Senhor. Esta característica está muito vinculada à falta de benignidade. Como faltam benignos, ou seja, pessoas de boas intenções, todos se precavêm, a fim de que não venham a sofrer prejuízos em um relacionamento social. No mundo, esta desconfiança é o segredo do sucesso cada vez maior dos seguros, mas, nas igrejas locais, tem sido a maior causa dos fracassos e de uma série de conseqüências indesejáveis na obra do Senhor, pois isto nada mais é que falta de fé e sem fé é impossível agradar a Deus (Hb.11:6).

OBS: Um dos grandes males da desconfiança tem sido a “hereditariedade” instalada nas lideranças das igrejas locais e que tem sido a fonte das maiores discórdias e distorções na condução da obra do Senhor.

- Em décimo lugar, é-nos dito que o amor não folga com a injustiça (I Co.13:6), ou seja, o amor não compactua com a injustiça, nem a admite ou tolera. Quem ama, não pratica a injustiça, pois o filho de Deus é um praticante da justiça (I Jo.3:10). Jesus, a quem devemos imitar, é justo (At.3:14). Somente quem pratica a justiça poderá habitar no tabernáculo do Senhor (Sl.15:1,2).Temos sido justos com nossos semelhantes? Temos dado a cada um o que é seu?

- A injustiça tem invadido as igrejas locais. O favoritismo, a perseguição e a acepção de pessoas é algo que tem contaminado os relacionamentos nas igrejas locais. Não é algo novo, pois, na igreja primitiva, em Jerusalém, já temos notícia destas coisas, seja no trato com as viúvas (At.6:1), seja no comportamento diferenciado dado aos ricos (Tg.2:1-13). Devemos, porém, lutar e combater para que assim não procedamos, tratando a todos igualmente, sem acepção, sendo, pois, justos, como é justo o nosso Senhor.

- Em décimo primeiro lugar, Paulo nos ensina que o amor folga com a verdade (I Co.13:6), isto é, o amor sempre opta pela verdade, jamais se manifesta através ou por intermédio da mentira ou do engano. Por isso, Deus, que é amor, também é verdade (Jr.10:10). Jesus, como Deus que é, também é a verdade (Jo.14:6). A Palavra de Deus é a verdade (Jo.17:17) e, por isso, quem ama tem prazer em obedecer aos mandamentos do Senhor. Aliás, permanecer no amor de Deus é obedecer a estes mandamentos (Jo.15:10). Temos falado a verdade? Temos desejado a verdade, ou temos nos enganado e enganado aos demais? Temos prazer e vontade em cumprir a Palavra de Deus, ou estamos a questioná-la? Quem ama, alegra-se com a prática da verdade.

- Como se tem mentido nas igrejas locais ultimamente. Muitos têm vivido à base de mentiras e de engano, o que os torna filhos do diabo, que é o pai da mentira (Jo.8:44). Quem ama e comete a mentira não entrará no reino de Deus (Ap.22:15) e muitos têm se esquecido desta palavra e construído uma convivência fundamentada na inverdade. Já existem os que defendem a “mentira santa”, a “mentira profissional” e, até mesmo, a “mentira compassiva”. Tudo isto, porém, é artimanha do inimigo, buscando tragar a muitos através da mentira. Tomemos cuidado porque quem tem amor não mente.

- Vendo, pois, todas estas características do amor, notamos como há falta de amor no mundo e, o que é mais grave, entre os que cristãos se dizem ser. Precisamos, para não sermos incluídos nos “quase todos” que terão seu amor esfriado por causa do aumento do pecado, manter uma vida de comunhão com Deus e, assim, pautarmos nossas ações pelo suportar do sofrimento, pela benignidade, pela ausência de inveja, pela ausência de leviandade, pela humildade, pela decência, pela busca dos interesses do próximo, pela tranqüilidade, pela ingenuidade, pela justiça e pela verdade. Se não nos conduzirmos assim, seremos mais um que não tem o amor de Deus, que não pertence a Jesus, mais um que está destinado à perdição eterna. “Jesus, preciso mais de amor, reino de Deus, em meu coração; de compaixão, Tu és o Senhor, de Ti preciso mais. De Ti preciso mais, do Teu amor veraz, sei que estás pronto pra me valer, de Ti preciso mais!” (1ª estrofe do hino 423 da Harpa Cristã).

Colaboração para o Portal escolaDominical: Prof. Dr. Caramuru Afonso Francisco

O amor verdadeiro

O amor verdadeiro
O verdadeiro amor brota de uma relação viva com Cristo
por Michelson Borges



Enquanto apresentava um estudo bíblico para um grupo de pessoas, um jovem fez uma declaração que me deixou pensativo: “Os adventistas são doutores em teologia, mas acho que ainda falta-lhes entender o real sentido do amor.”

Ao dirigir-me para casa, lembrei-me das palavras de outros irmãos (alguns hoje, infelizmente, são ex) que igualmente alegavam haver falta de amor na Igreja. Imediatamente fui à Bíblia e li o “salmo do amor” – I Coríntios 13 – em busca de uma resposta à pergunta: O que é esse amor que, dizem, falta-nos?

Pela enésima vez li aqueles 13 versículos tão profundos. Com muito cuidado pois, às vezes, corremos o risco de passar por alto conceitos importantíssimos pelo fato de já conhecer bem um texto. Algumas verdades se destacaram de imediato: (1) no verso 2 é dito que, ainda que possuamos qualquer dom espiritual, muito conhecimento científico e uma fé capaz de transportar montanhas, sem amor, de nada valem essas virtudes; (2) no verso 3, Paulo diz que, mesmo que distribuamos todos os nossos bens aos pobres e sejamos martirizados, sem amor, isso tudo de nada aproveita; (3) no final do capítulo, o Apóstolo termina dizendo que o amor é maior que a fé e a esperança.

No entanto, o que realmente me chamou a atenção foram os versos 4 a 7. Há muitas semelhanças entre eles e o fruto do Espírito de Gálatas 5:22. Vejamos:

I Coríntios 13 – O amor :
Gálatas 5:22 – O fruto do Espírito é:

é benigno
benignidade

não se porta inconvenientemente
domínio próprio

não busca os seus próprios interesses
bondade

não se irrita
longanimidade / mansidão

regozija-se na verdade
fidelidade

tudo suporta, tudo crê, tudo sofre, tudo espera
paz / domínio próprio




Tamanha coincidência não pode ser mera semelhança. O próprio amor é a virtude que encabeça a lista de Gálatas 5:22. E se o amor é um dos “gomos” do fruto do Espírito Santo, mesmo que nos esforcemos, jamais poderemos fabricá-lo. Não existem estratégias ou métodos que nos façam sentir amor pelos irmãos.

O amor provém do Espírito de Deus. Sem comunhão com Deus, portanto, não pode haver amor. O correto não seria dizer: “A Igreja precisa de mais amor.” Isso, na verdade, é óbvio. Nossa maior necessidade, no entanto, é da presença do Espírito Santo em nossa vida. De nada adianta uma adoração “animada” por palavras de ordem, ou barulho; assim como de nada adianta uma simpatia forçada de uns pelos outros, ao convite de “vamos apertar a mão de quem está ao nosso lado”. A alegria do louvor e a simpatia entre os irmãos só existirão na medida em que cada um buscar o Espírito de Deus.

Muitos abandonam a Igreja alegando falta de amor por parte dos irmãos. Outros dizem que a Igreja é muito “parada”, “desanimada”, “morna”. Não se daria o caso de haver falta do fruto do Espírito em suas vidas?

Após minha conversão, há quase vinte anos, percebi que nem tudo era perfeito (com exceção das doutrinas) na Igreja que eu amava e amo. Mas percebi, também, que o amor por Cristo e a convicção da verdade suplantam todo problema. Se amamos a Jesus e estamos convictos da verdade, nada, nem a alegada falta de amor, pode nos afastar de Sua Igreja (afinal, se assim o fizermos, para onde iremos?).

O amor e a alegria fazem parte do fruto do Espírito. Precisamos do Espírito Santo habitando o templo do nosso coração. Mas como fazer isso? O discípulo do amor nos dá a resposta. Em sua terceira carta, João refere-se a Gaio, exemplo de fidelidade e amor aos membros da Igreja, um homem que andava “na verdade” (verso 3). João menciona, também, Demétrio, de cuja vida a própria verdade dava testemunho (verso 12). Numa carta que trata da aplicação prática do cristianismo na vida individual, João associa o amor à verdade.

Isso é evidência inquestionável de que não pode haver amor na desobediência deliberada aos princípios bíblicos. Cristo mesmo disse: “Se Me amardes, guardareis os Meus mandamentos.” João 14:15. Veja: amor e obediência à verdade, uma vez mais, de mãos dadas. A verdade sem o amor é fria e formal, correta mas não cativante. O amor sem a verdade é mal orientado e desonesto. Por isso, “o mais forte argumento em favor do evangelho é um cristão que sabe amar e é amável”. – Ciência do Bom Viver, pág. 470.

Obediência mediante a comunhão com Cristo: eis o segredo. Mantendo uma relação viva com Jesus, tornâmo-nos participantes da natureza divina (I Pedro 1:4), o que nos dá a capacidade de sentir um amor puro e desinteressado pelos outros. “Caso exista no coração a divina harmonia da verdade e do amor, resplandecerá em palavras e ações.” – O Lar Adventista, pág. 426 (grifo acrescentado).

“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos tocaram, isto proclamamos com respeito ao Verbo da vida.” I João 1:1. Neste texto, o verbo “contemplar” (Theomai) é diferente do verbo “ver” (Horao). Contemplar aqui significa uma experiência compenetrada para descobrir algo ou alguém. Portanto, precisamos contemplar a Cristo mais do que fazemos, para que o Espírito de Deus tome posse de nosso coração e transforme-nos a vida. Assim, “os pensamentos pecaminosos são afastados, renunciadas as más ações; o amor, a humildade, a paz tomam o lugar da ira, da inveja e da contenda. A alegria substitui a tristeza, e o semblante reflete a luz do Céu”. – O Desejado de Todas as Nações, pág. 173.

Esse é o segredo do verdadeiro amor.

Michelson Borges - Jornalista, redator da Casa Publicadora Brasileira e editor do site O amor verdadeiro

sábado, 25 de setembro de 2010

O LIVRO DOS APÓSTOLOS

SUMÁRIO

Introdução

I. A IGREJA EM JERUSALÉM
1. A comissão dos Apóstolos
2. A Fundação da Igreja de Jerusalém.
3. A Descida do Espírito Santo (1:12-2.13)
4. A conversão de Saulo de Tarso.
5. A Chamada de Paulo

II – AS MISSÕES DO APÓSTOLO PAULO
1. A Primeira Viagem Missionária
2. A segunda viagem missionária
3. A terceira viagem missionária

III – AS PRISÕES DO APÓSTOLO PAULO
1. O Resumo dos últimos capítulos de “Atos dos Apóstolos”
2. A Prisão de Paulo em Jerusalém (Atos 21, 22 e 23)
3. A Prisão de Paulo em Cesaréia (Atos 24, 25 e 26)
4. A prisão de Paulo em Roma

Conclusão

Bibliografia


























O LIVRO DOS APÓSTOLOS


Introdução

1. Título do livro: O título do livro de “Atos dos Apóstolos” tal como o conhecemos não fazia parte do livro original mas sim foi lhe dado depois do ano 200 da era cristã. O Evangelho de Lucas e Os Atos são dois vo-lumes de uma só obra. Isso fica claro comparando Lc 1.1-4 com At 1.1-4.
2. Tema do livro: O livro dos Atos contém a história do estabelecimento e desenvolvimento da igreja cristã, e da proclamação do evangelho ao mundo então conhecido na época (At 1.8).
3. Palavras chaves de Atos: “Ascensão”, “descida” e “expansão”.
4. Escritor do livro:
a) Pistas para descobrir o escritor: Considerando a dedicatória do livro a Teófilo (At 1:1; comparemos com Lc 1:3), a referência a um tratado anterior (1:1), o seu estilo, o fato de o autor ter sido companheiro de Paulo, o que fica muito claro por estarem certas partes do livro escritas na primeira pessoa do plural (“nós”), e ter acompanhado Paulo à Roma (At 27:1; comparemos com Cl 4:14; Fm 24; 2 Tm 4:11), che-gamos a conclusão que o livro de Atos foi escrito por Lucas. A impressão que se dá é que ele teria usado o diário de viagem como fonte de material.
b) Quem foi Lucas? Pouco se sabe dele. Seu nome é mencionado só três vezes no NT . Paulo chama-o de “médico amado”. O único escritor da Bíblia que não era judeu. A tradição e os estudiosos dizem que Lu-cas era homem de cultura e erudição científica, versado nos clássicos hebraicos e gregos. É possível que tivesse estudado medicina na Universidade de Atenas.
c) Relação de Lucas com Paulo: Ficou em Filipos até à volta de Paulo, seis ou sete anos depois, At 16:40 (“dirigiram-se”), quando tornou a se juntar a ele, 20:6 (“navegamos”) e com ele ficou até o fim, possivel-mente até a morte de Paulo em Roma.
5. Para quem Atos foi escrito: Foi escrito particularmente a Teófilo, um nobre cristão, mas de um modo geral a toda a igreja.
6. Propósitos do livro de Atos:
a) Propósito Informativo/ Evangelístico: Lucas queria informar ao excelentíssimo Teófilo sobre como o e-vangelho se propagou desde de Jerusalém a Roma. Teófilo já havia recebido alguma informação a respeito da fé cristã, e foi para lhe fornecer uma explicação mais precisa de sua fidedignidade que Lucas, em primeiro lugar, escreveu a história inicial do Cristianismo, começando do nascimento de João Batista e de Jesus até o fim dos dois anos de prisão de prisão de Paulo em Roma (cerca de 61 a. D.). Atos trata princi-palmente dos atos de Pedro e de Paulo, mais deste último.
b) Propósito Apologético: O livro mostra principalmente como o evangelho se estendeu aos não judeus (os gentios). O A. T. é a história das relações de Deus, desde os tempos antigos, com a nação judaica, que ti-nha a função de abençoar as outras nações. É no livro de Atos que a família de Deus deixa de ser uma questão nacional e passa a ter um sentido universal (intenção divina em At 2:7-11). Assim, o escritor de-fende veementemente que o Cristianismo não é um ramo herético do judaísmo, mas antes, uma elevação e melhoria do judaísmo, com raízes profundas no mesmo, mas retendo apenas os elementos nobres e úteis, ficando rejeitados todos os seus males, especialmente a apostasia para a qual havia decaído, como também o seu escopo provincial.
c) Propósito Político: Mostrar aos líderes romanos que o cristianismo não deveria ser temido e perseguido, como ameaça ou movimento traiçoeiro ao estado romano; pelo contrário, que era digno da proteção ro-mana, com permissão de funcionar livremente, tal como o judaísmo havia obtido de seus conquistadores militares. Por este motivo é que o livro de Atos apresenta os oficiais romanos como ordinariamente favo-ráveis aos movimentos dos missionários cristãos. Embora Lucas houvesse escrito após Paulo haver sido martirizado, e a perseguição de Roma contra os cristãos já houvesse começado, ele não ignora e nem põe em perigo o seu propósito apologético encerrando o seu livro numa atitude negativa, a saber, narrando a execução do maior advogado do cristianismo às mãos das autoridades romanas. (Ver Atos 18:12-17, onde se expõe a idéia da proteção do cristianismo, pelas autoridades romanas, tal como o judaísmo já vinha sendo protegido pelas leis do império). Lucas, portanto, quis mostrar que os levantes e as perturbações de ordem pública que seguiam na cauda do movimento dos missionários cristãos resultavam das perseguições efetuadas pelos judeus, e não de qualquer espírito malicioso dos próprios cristãos. Lucas endereçou a sua dupla obra (Lucas-Atos) a um oficial romano, de nome Teófilo. Por conseguinte, dirigiu seu trabalho à aristocracia romana, esperando que se os argumentos ali contidos fossem recebidos e digeridos, o novel movimento cristão viesse a ser protegido, e não perseguido. Todavia, o seu grande alvo, do ponto de vista humano, fracassou, porque sobrevieram severas e prolongadas perseguições, desde muito tempo antes o evangelho de Lucas e do livro de Atos terem sido escritos e postos em circulação.
d) Propósito Jurídico: Alguns estudiosos supõem que um objetivo do Médico amado seria o de usar o relato de Atos dos Apóstolos para ser lido como sumário de argumento para a defesa, no julgamento de seu ami-go, o Apóstolo Paulo.

I. A IGREJA EM JERUSALÉM

1. A comissão dos Apóstolos

Entende-se por comissão o ato de cometer; encarregar; também significa encargo, incumbência. Os missiólogos chamam a missão dada por Jesus aos seus primeiros discípulos de “Grande Comissão”. Ele ordenou aos onze homens, com os quais mais dividira seu ministério terreno, que fossem ao mundo inteiro e fizessem discípulos em todas as nações, Ele lhes disse que ensinassem a esses novos discípulos tudo que haviam aprendido d’Ele (Mateus 28:18-20). Mais tarde, o apóstolo Paulo deu as mesmas instruções a Timóteo: "E o que de minha parte ouviste, através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros" (2 Timóteo 2:2). Mas, somente em nossas próprias forças não poderemos cumprir nossa comissão. Por isso, o Senhor nos deus uma capacitação além da natural: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da ter-ra”.

Ma podemos questionar: Qual o coração da Grande Comissão? Infelizmente, não aparece na Versão Corrigida, que traduz assim o começo do versículo 19: “Portanto, ide e ensinai”. Na Atualizada, podemos descobrir o cora-ção da Grande Comissão, identificando os imperativos (tempos verbais que expressam ordem, determinação) nela: “Ide” e “fazei discípulos”. Assim como nas traduções inglesas e espanholas, a Versão Atualizada em por-tuguês traz dois imperativos. Mas não é assim na linguagem original. No grego, matheteusate ou “fazei discípu-los” é o único imperativo nesse texto. Os outros três verbos nos versículos 19 e 20 são gerúndios, ou seja, tradu-zindo literalmente, teríamos, por exemplo, indo, em lugar de ide. Os três gerúndios - “indo”, “batizando” e “en-sinando” - são as três funções indispensáveis de como fazer discípulos. Assim, uma vez que esses versículos não são a Grande Sugestão, mas, sim, a Grande Comissão, o discipulado é imprescindível na vida da igreja e na vida de cada cristão. Para David Kornfield, hoje, infelizmente, a Grande Comissão muitas vezes passa a ser a Grande Omissão. E teremos de prestar contas a Jesus a esse respeito.

Essa Comissão de Mateus 28.18-20 e paralelamente em Atos 1:8 é grande por, pelo menos, por cinco razões:

a) É Grande em sua Autoridade. Das dezenas ou centenas de mandamentos de Jesus, este é o único em que Jesus se veste de toda a autoridade do Universo. Ele se coloca como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Na época bíblica, um súdito que ignorasse ou negligenciasse um mandato declarado com toda a autoridade real arriscava a própria vida. É com essa autoridade que fazemos a obra do Senhor (At 1:8).

b) É Grande em seu Efeito Multiplicador. É assim que o reino de Deus pode explodir! Até então, havia só um discipulador multiplicando-se em outros - Jesus Cristo. Agora vem a Comissão para começar um movimento multiplicador, contra o qual nem as portas do inferno prevalecerão. Pouco depois, os discipuladores não eram só 11, mas 120. Um pouco mais depois não eram só 120, mas milhares. De pouco em pouco!

c) É Grande por sua Extensão Geográfica. Estende-se a todas as nações. Várias vezes o próprio Jesus limitou seu ministério e ordenou que os apóstolos também limitassem seus ministérios aos judeus. Aqui, ele abre o leque e abraça todo o mundo. na Comissão de fazer discípulos em todas as nações, encontramos o coração de missões mundiais. Deus não admitiu que Sua igreja entrasse em um ostracismo, vivendo só para si, e encapsulada em um único ponto geográfico. Ele quer, na verdade, que Seu povo se expanda territorialmente e anuncie o evangelho a toda criatura, tanto é que esse foi o objetivo da perseguição de Atos 8: 1-4. A ordem que aparece em Atos 1:8 não é cronológica, ou seja, Cristo não falou para evangelizar primeiro Jerusalém, segundo Judéia, terceiro Samaria e por último os confins da Terra. Essa interpretação é errada, perigosa, e fora da vontade do Senhor. O próprio texto de Atos 1:8 deixa claro que Jesus determinou que a obra da Sua igreja na Terra deveria ser desen-volvida simultaneamente nas três dimensões que Ele deseja que o Evangelho seja pregado. Isso fica claro nas expressões: “tanto em”; “como em”; e “até os”.

d) É Grande por sua Extensão a todos os aspectos da vida. Jesus nos chama a ensinar outros a guardarem tudo o que Ele ensinou. Esse mandato inclui toda a humanidade e, mais do que isso, implica não apenas o ensino, mas a prática desses mandamentos. No discipulado, o ensino sempre tem por fim a prática. Ou seja, o ensino que não leva à pratica não é discipulado.

e) É Grande por sua Extensão no Tempo. Estende-se até a consumação do século, até a volta de Cristo. Cada pastor e igreja que se envolve no discipulado conforme o exemplo de Jesus constrói os alicerces para um movi-mento que fluirá de sua igreja a todas as nações, até a consumação dos séculos.


2. A Fundação da Igreja de Jerusalém:

a) Na festa de Pentecostes, em 30 ou 33 d.C, deu-se o aniversário da Igreja. 50 dias depois da crucifixão de Jesus. 10 dias após sua Ascensão. Pensa-se que esse Pentecostes caiu no primeiro dia da semana. A festa de Pen-tecostes era também chamada festa das Primícias da colheita eram por essa ocasião apresentadas a Deus. Outros-sim, comemorava a promulgação da Lei no Sinai. Apropriava-se, pois, para ser o dia da promulgação do Evan-gelho e da recepção das primícias da colheita mundial do mesmo Evangelho. Jesus, em Jo 16:17-24, tinha falado da inauguração da época do Espírito Santo. E agora, está sendo de fato inaugurada, numa poderosa manifestação milagrosa do Espírito Santo, com o som como de um vento impetuoso, e com línguas como de fogo pousando sobre cada um dos Apóstolos, esta feita para representantes do mundo inteiro, a judeus e a prosélitos ao judaísmo reunidos em Jerusalém para celebrar o Pentecostes, vindo de todas as terras do mundo que então se conheciam (mencionando-se 15 nações, 2:9-11) – e os Apóstolos da Galiléia falavam para eles nas suas próprias línguas.

b) O Sermão de Pedro (2:14-16). O espetáculo espantoso de Apóstolos falando, sob a influência das línguas de fogo, nas línguas de todas as nações ali representadas. Isto, segundo a explicação de Pedro, vv. 15-21, era o cumprimento da Profecia registrada em Jl 2:28-32. Pode ser o que aconteceu naquele dia não foi o cumprimento total e final daquela profecia, e que aquilo seria o começo apenas, de uma era grandiosa e notável que foi inicia-da; a profecia pode se aplicada também, ao fim desta era.

c) O Cumprimento das Profecias. Nota-se as declarações repetidas que o que acontecia já tinha sido predito: A traição de Judas, 1:16-20; a Crucifixão, 3:18; a Ressurreição, 2:25-28; a Ascensão de Jesus, 2:33-35; a vinda do Espírito Santo, 2:17. "Todos os profetas", 3:18-24.

3. A Descida do Espírito Santo (1:12-2.13)

O rei Davi planejou a edificação do templo e reuniu os materiais necessários. Mas foi Salomão, seu sucessor, quem o erigiu (1 Cr 29: 1,2). Jesus igualmente planejou a Igreja durante seu ministério terreno (Mt 16:18; 18:17). Preparou os materiais humanos, porém deixou ao seu sucessor e representante, o Espírito Santo, o trabalho de erigi-la. Foi no dia de Pentecoste que esse templo espiritual foi construído e cheio da glória do Senhor (cf. Êx 40:34,35; 1 Rs 8:10,11; Ef 2:20). O dia de Pentecoste era a inauguração da Igreja, e o cenáculo, o local dessa comemoração.

a) O Dia de Pentecostes

"E, cumprindo-se o dia de Pentecostes…" O nome "Pentecoste" (derivado da palavra grega "cinqüenta") era dado a uma festa religiosa do Antigo Testamento. A festa era assim denominada por ser realizada 50 dias após a Páscoa (ver Lv 23:15-21). Observe sua posição no calendário das festas. Em primeiro lugar festejava-se a Páscoa. Nela se comemorava a libertação de Israel no Egito. Celebravam a noite em que o anjo da morte alcançou os primogênitos egípcios, enquanto o povo de Deus comia o cordeiro em casas marcadas com sangue. Esta festa tipifica a morte de Cristo, o Cordeiro de Deus, cujo sangue nos protege do juízo divino. No sábado, após a noite de Páscoa, os sacerdotes colhiam o molho da cevada, previamente selecionado. Eram as primícias da colheita, que deviam ser oferecidas ao Senhor. Cumprido isto, o restante da colheita podia ser ceifado. A festa tipifica Cristo, "as primícias dos que dormem" (1 Co 15:20). O Senhor foi o primeiro ceifado dos campos da morte para subir ao Pai e nunca mais morrer. Sendo as primícias, é a garantia de que todos quantos nele crêem seguí-lo-ão pela ressurreição, entrando na vida eterna.

Quarenta e nove dias eram contados após o oferecimento do molho movido diante do Senhor. E no qüinquagé-simo dia – o Pentecoste – eram movidos diante de Deus dos pães. Os primeiros feitos da ceifa de trigo. Não se podia preparar e comer nenhum pão antes de oferecer os dois primeiros a Deus. Isto mostrava que se aceitava sua soberania sobre O mundo. Depois, outros pães podiam ser assados e comidos. O significado típico é que os 120 discípulos no cenáculo eram as primícias da igreja cristã, oferecidas diante do Senhor por meio do Espírito santo, 50 dias após a ressurreição de Cristo. Era a primeira das inúmeras igrejas estabelecidas durante os últimos 19 séculos.

O Pentecoste foi a evidência da glorificação de Cristo. Para Myer Pearlman, a descida do Espírito era como um "telegrama" sobrenatural, informando a chegada de Cristo à mão direita de Deus. Também testemunhava que o sacrifício de Cristo fora aceito no Céu. Havia chegado a hora de proclamar sua obra consumada. O Pentecoste era a habilitação do Espírito no meio da Igreja. Após a organização de Israel, no Sinai, o Senhor veio morar no seu meio, sendo sua presença localizada no Tabernáculo. No dia de Pentecoste, o Espírito Santo veio habitar na Igreja, a fim de administrar, dali, os assuntos de Cristo.

b) O Falar em Línguas

Apareceu em seguida a realidade da qual o vento é símbolo: "E todos foram cheios do Espírito Santo, e começa-ram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem". O que produz esta manifes-tação? O impacto do Espírito de Deus sobre a alma humana. É tão direto e com tanto poder, que a pessoa fica extasiada, falando de modo sobrenatural. Isto pelo fato de a mente ficar totalmente controlada pelo Espírito. Para os discípulos, era evidência de estarem completamente controlados pelo poder do Espírito prometido por Cristo. Quando a pessoa fala uma língua que nunca aprendeu, pode ter a certeza de que algum poder sobrenatural assumiu o controle sobre ela. Alguns argumentaram que a manifestação do falar em línguas limitou-se à época dos apóstolos. Aconteceu para ajudá-los a estabelecer o Cristianismo, uma novidade naquela época. Não existe, no entanto, limites à continuidade dessa manifestação no Novo Testamento.

Mesmo no quarto século depois de Cristo, Agostinho, o notável teólogo do Cristianismo, escreveu: "Ainda fa-zemos como fizeram os apóstolos, quando impuseram as mãos sobre os samaritanos, invocando sobre eles o Espírito mediante a imposição das mãos. Espera-se por parte dos convertidos que falem em novas línguas". Ire-neu (115-202 d.C.), notável líder da Igreja, era discípulo de Policarpo, que por sua vez foi discípulo do apóstolo João. Ireneu escreveu: "Temos em nossas igrejas muitos irmãos que possuem dons espirituais e que, por meio do Espírito, falam toda sorte de línguas".

A Enciclopédia Britânica declara que a glossalália (o falar em línguas) "ocorreu em reavivamentos cristãos du-rante todas as eras: por exemplo, entre os frades mendicantes do século XIII, entre os jansenistas e os primeiros quaquers, entre os convertidos de Wesley e Whitefield, entre os protestantes perseguidos de Cevennes, e entre os irvingistas". Podemos multiplicar as referências, demonstrando que o falar em línguas, por meios sobrenaturais, tem ocorrido em toda a história da Igreja. (Nota: O falar em línguas nem sempre é em língua conhecida. Ver 1 Co 14.2).

4. A conversão de Saulo de Tarso

Conquanto a tivesse precedido um longo período de "incubação" inconsciente, sem dúvida alguma a conversão de Paulo foi repentina. Ele não conseguira banir da mente o rosto do mártir moribundo – "como se fosse rosto de anjo". Nem podia ele esquecer-se da última oração pungente de Estevão: "Senhor, não lhes imputes este pecado" (Atos 7:6).

O Espírito Santo, sempre ativo, havia preparado o palco, no decorrer dos anos, para este grandioso confronto e capitulação. O raio luminoso cegante encontrou uma vasta quantidade de material inflamável no coração do jo-vem perseguidor. O milagre aconteceu em pleno meio-dia. Paulo viu a Jesus em toda a sua glória e majestade messiânicas. Não se tratava de mera visão, pois ele classifica o fato como a última aparição do Salvador a seus discípulos, e o coloca no mesmo nível de suas aparições aos outros apóstolos. Sua declaração é clara e inequívoca.

E apareceu a Cefas, e, depois, aos doze. Depois foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maioria sobrevive até agora, porém alguns já dormem. Depois foi visto por Tiago, mais tarde por todos os apóstolos, e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo (I Coríntios 15:5-8).

Não foi um êxtase, mas uma aparição real e objetiva do Cristo ressurreto e exaltado, vestido de sua humanidade glorificada. Paulo convenceu-se de imediato de que Cristo não era um impostor. Quão diferente foi a entrada em Damasco daquela que o inquisidor havia imaginado! "E, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia… mas, levanta-te, e entra na cidade, onde te dirão o que te convém fazer… Então se levantou Saulo da terra e, abrindo os olhos, nada podia ver. E, guiando-o pela mão, levaram-no para Damasco" (Atos 9:4-8). Paulo entrou cativo em Damasco, acorrentado à roda da carruagem de seu Senhor vencedor. Fora tudo estava escuro, mas dentro tudo era luz.

A rendição de Paulo ao Senhorio de Cristo foi imediata e absoluta. Desde o momento em que ele reconheceu que Jesus não era um impostor, mas o Messias dos judeus, ele ficou sabendo que só poderia haver uma resposta. Toda a história se resume nas suas duas primeiras perguntas: "Quem és tu, Senhor?" "Que farei, Senhor?" (Atos 22:8,10). A verdadeira conversão sempre resulta em rendição à vontade de Deus, pois a fé salvadora implica obediência (Romanos 1:5).

Quão surpreendente foi a estratégia vitoriosa de Deus! C.E. Macartney escreve: "O mais amargo inimigo tornou-se o maior amigo. A mão que escrevia a acusação dos discípulos de Cristo, levando-os à presença dos magistra-dos e para a prisão, agora escrevia epístolas do amor redentor de Deus. O coração que bateu de júbilo quando Estêvão caiu sobre as pedras sangrentas, agora se regozijava em açoites e apedrejamentos por amor de Cristo. Do outrora inimigo, perseguidor, blasfemador proveio a maior parte do Novo Testamento, as mais nobres declarações de teologia, os mais doces poemas de amor cristão" (J.O. Sanders, p.28).

5. A Chamada de Paulo

O chamado de Deus veio a Paulo de forma tão clara e específica que não lhe foi possível confundi-lo, enquanto jazia deitado no chão cego pela luz celestial. Ananias também comunicou-lhe a mensagem que havia recebido de Deus: "O Deus de nossos pais de antemão te escolheu para conheceres a sua vontade, ver o Justo e ouvir uma voz da sua própria boca, porque terás de ser sua testemunha diante de todos os homens, das coisas que tens visto e ouvido" (Atos 22:14-15).

Mais tarde, quando Paulo voltava para Jerusalém, sobreveio-lhe um êxtase, e viu aquele que lhe falava e que lhe disse: "vai, porque eu te enviarei para longe aos gentios" (Atos 22:17,18,21). A Ananias, cujo temor bem pode-mos compreender, comissionado por Deus para dar as boas-vindas ao notório perseguidor da Igreja cristã, Deus também indicou a esfera de testemunho para a qual ele havia chamado Paulo: "Mas o Senhor lhe disse [a Anani-as]: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto importa sofrer pelo meu nome" (Atos 9:15-16).

Paulo revelou outra faceta de seu chamado ao se defender perante Agripa: "Ouvi uma voz que me falava… Le-vanta-te e firma-te sobre teus pés, porque por isto te apareci para te constituir ministro e testemunha, tanto das coisas em que me viste como daquelas pelas quais te aparecerei ainda; livrando-te do povo e dos gentios, para os quais eu te envio, para lhes abrir os olhos e convertê-los das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus" (Atos 26:14-18).

Assim, desde os primeiros dias de sua vida cristã, Paulo não somente sabia que era um veículo escolhido por meio de quem Deus comunicaria sua revelação, mas tinha uma idéia geral do que Deus havia planejado para seu futuro: (a) Seu ministério o levaria para longe do lar; (b) Ele teria um ministério especial entre os gentios; (c) Esse ministério lhe traria grande sofrimento. Só aos poucos ele chegou a compreender que este chamado não era tanto um novo propósito de deus para sua vida, quanto a culminação do processo preparatório iniciado antes de seu nascimento.
Assim é hoje. O chamado do dirigente cristão não é tanto um novo propósito para sua vida quanto a descoberta do propósito para o qual Deus o trouxe ao mundo. O Senhor havia dito aos seus discípulos que os postos de lide-rança no seu Reino dependiam da soberana nomeação de seu Pai. "Quanto, porém, ao assentar-se à minha direita ou à minha esquerda… é para aqueles a quem está preparado" (Marcos 10:40). Paulo reconhecia esta verdade, mas só aos poucos ele chegou a um claro entendimento do trabalho que Deus tinha para ele.

Só depois que os judeus rejeitaram de forma consistente sua mensagem é que Paulo se devotou quase que exclu-sivamente aos gentios. Sua experiência em Corinto chegou a uma fase decisiva. "Paulo se entregou totalmente à palavra, testemunhando aos judeus que o Cristo é Jesus. Opondo-se eles e blasfemando, sacudiu Paulo as vestes e disse-lhes. Sobre a vossa cabeça o vosso sangue! eu dele estou limpo, e desde agora vou para os gentios" (Atos 18:5-6).

Alguns anos após a sua conversão, este chamado inicial foi renovado e confirmado pela igreja de Antioquia onde ele havia trabalhado por um ano. "E, servindo ele [os dirigentes] ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado" (Atos 13:2). De modo que o chamado geral se tornou específico, e eles alegremente partiram, "enviados pelo Espírito Santo". O primeiro passo no cumprimento da grande comissão do Senhor e o começo do importante empreendimento missionário de amplitude mundial havia sido realizado com segurança.

II – AS MISSÕES DO APÓSTOLO PAULO

Sabemos que o conceito teológico de Missões é tríplice: a igreja tem uma missão de adorar a Deus em espírito em verdade; tem uma incumbência de edificar a si própria; e tem a grande comissão de evangelizar o mundo. Como referencial de obreiro que Paulo foi, atuou nessas três obras. Entretanto, vamos delimitar a prática missiológica paulina somente às suas heróicas viagens missionárias.

O ambiente de trabalho missionário do apóstolo Paulo foi o Império Romano.

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Antes propriamente de entrarmos em suas viagens, é interessante ter em mente a cronologia da vida do Apóstolo aos gentios. Vejamos:
5 d.C. Nascimento em Tarso, da Cilícia
20-26 Estudos em Jerusalém
26-32 Estudos em Tarso
32-37 Conversão na estrada de Damasco, Atos 9
37-39 Viagem pela Arábia. Gl. 1
35-43 Prega em Tarso e noutros lugares da Cilícia, Atos 9 e Gálatas 1.
43-44 Prega com Barnabé em Antioquia, Atos 11
44-45 Viagem a Jerusalém, durante a fome, Atos 11
45-47 Primeira viagem missionária, Atos 13-14
47-49 Reside em Antioquia da Síria, Atos 11
49 Faz-se presente ao concílio de Jerusalém. Atos 15
49-51 Segunda viagem missionária, Atos 15-18
51-56 Terceira viagem missionária, Atos 18-21
56 Aprisionamento em Jerusalém, Atos 21
56-58 Paulo na Prisão em Cesaréia, Atos 23
58-59 Viagem a Roma, Atos 27
59-61 Confinamento em Roma, Atos 26
61-64 (?) Viagens à Espanha, Creta, Macedônia, Grécia, não mencionadas em Atos, embora indicadas em outros documentos como no cânon muratoriano e nas epístolas de Clemente. Algumas indicações destas viagens existem nas epístolas pastorais.
64-67 Execução em Roma, durante as perseguições movidas por Nero.



1. A Primeira Viagem Missionária

Em geral, Os Atos relatam três viagens missionárias de Paulo. Essa narrativa às vezes é mui detalhada, às vezes resumida demais. O principal é o seguinte: todas as três viagens começam e terminam na comunidade gentio-cristã de Antioquia e não na comunidade judeu-cristã de Jerusalém (as epístolas confirmam isso); geralmente Paulo dirigia-se primeiro a seus patrícios mas bem depressa era obrigado a procurar os pagãos.

a) Resumo e itinerário

Primeira viagem missionária: Barnabé e Paulo vão aos gentios, Atos 13:1-14:29. Missão a Chipre, 13:4-12. Missão à Galácia, 13:13-14:28. Missão de Pafos a Perge, 13:13. Missão a Antioquia da Psidia, 13:14-52. Missão a Icônio e Listra, 14:1-18. Missão a Icônio, 14:1-7, Missão a Listra, 14:8-18. Retorno a Antioquia da Síria, 14:19-28.



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b) A Missão da Primeira Viagem

Lucas conservou-nos uma preciosa notícia sobre a organização da comunidade de Antioquia e a liturgia (Atos 13: 1-3).

A primeira etapa da missão foi a ilha de Chipre, de onde Barnabé era originário. O que interessa a Lucas é o primeiro contato do apóstolo Paulo com um magistrado romano, Sérgio Paulo, senador, antigo pretor, muito conhecido por inscrições. Sua família vinha de Antioquia da Pisídia.

Na narração de Lucas, o nome Paulo toma dali em diante o lugar de Saulo: não se pode deduzir daí que Saulo tenha adotado o nome do seu ilustre convertido. Ter um duplo nome era então corrente nos meios bilín-gües, como o da família de Paulo. Junto ao governador, Paulo teve de enfrentar um mágico de origem judaica, Elimas (At. 13,8). O sucesso das ciências ocultas era grande na época; o que pode surpreender é que um judeu as pratique. Segundo os Atos, Paulo terá outras ocasiões de se confrontar com mágicos. Na sua carta aos Gálatas, ele classifica as práticas de feitiçaria (pharmakeia) na categoria das obras da carne, próximas da idolatria (Gl. 5,20).

Nas suas cartas, Paulo não faz alusão à missão de Chipre, para onde ele não terá ocasião de voltar. Por que ele abandona a ilha sem a ter visitado toda? Paulo que toma a frente da expedição em direção à Anatólia através dos desfiladeiros do Tauro, covil de bandidos. Mais tarde Paulo fará alusão aos perigos corridos na es-trada (2Cor 11,26). Primo de Barnabé, o jovem João Marco teve medo da aventura e abandonou o grupo. Paulo não o perdoou, a princípio.

A) O DISCURSO DE ANTIOQUIA DA PISÍDIA

Quando Paulo chegava numa cidade qualquer, ele começava indo à sinagoga. Lá, ele podia entrar em contato com os judeus do lugar e os “ tementes a Deus ” , pagãos atraídos para o judaísmo (At 13,26). Como amostra da pregação de Paulo, Lucas nos conservou o discurso de Antioquia da Pisídia (At 13,14-41). Esta era uma colônia romana, fundada por Augusto para instalar aí os veteranos da legio V Gallica. O Sérgio Paulo que se instalou aí devia ser um dos oficiais superiores desta legião.

O discurso de Paulo não tem equivalentes nas Cartas, mas é fácil encontrar um certo número de temas pertencendo à apologética cristã primitiva. Ele se coloca no contexto litúrgico tradicional: depois da leitura de uma passagem da Lei e de uma outra, tirada da coletânea dos profetas, os chefes da sinagoga convidam os visi-tantes a pronunciar algumas palavras de exortação. Paulo não se fazia de rogado!

O texto de Lucas tem a marca da retórica da época. Do ponto de vista das idéias, o discurso contém uma retrospectiva da história de Israel até Davi.
Ainda que dirigido em prioridade aos judeus, o discurso continha uma ponta universalista: a palavra da salvação vale para os filhos de Abraão como para todos os que temem a Deus (v.26). Sobretudo, ele esboçava uma crítica contra a Lei de Moisés, incapaz de trazer a salvação (v.38). O sucesso junto aos não-judeus apenas aumentou a irritação dos filhos de Abraão. Para se justificar, Paulo declara: “ É a vós por primeiro que devia ser dirigida a palavra de Deus ”(v.46). Paulo será fiel a este por primeiro, como se vê pela declaração de princípio de Rm 1,16: “ O Evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, do judeu primeiro, e de-pois do grego”.

Para legitimar a sua passagem para as nações, Paulo cita então uma passagem dos cantos do Servo, que tem uma grande importância na apologética cristã primitiva: “Destinei-te a seres luz das nações, a fim de que a minha salvação esteja presente até a extremidade da terra” (Is 49.6). Este texto vale em primeiro lugar para Cris-to, mas Paulo o aplicou a si mesmo, como mostra Gl 1.15. Assim, portanto, Paulo, servo de Cristo, descobre a sua missão ao reler a Escritura.

B) PREGAÇÃO AOS PAGÃOS DE LISTRA E RETORNO

Nas cidades que Paulo e Barnabé vão atravessar, o mesmo cenário se reproduz. Como Por exemplo em Icônio (At 14,1-7), a pátria de santa Tecla segundo os Atos de Paulo (acima, p.16s). Em 2Tm 3.13 também se fala dos sofrimentos suportados por Paulo em Antioquia, Icônio e Listra. Nesta última cidade, um incidente tra-gicômico manifesta bem a credulidade do povo e a dificuldade para os Apóstolos de fazerem-se compreender por uma população pouco helenizada. Uma cura provoca o entusiasmo e o povo logo quer oferecer um sacrifício, como se Barnabé e Paulo fossem Zeus e Hermes em visita.

No caminho de volta, os apóstolos confirmam os discípulos lembrando-os do sentido cristão da provação: “É necessário que passemos por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus” (At 14,22). Para dirigir as comunidades, Paulo e Barnabé designaram-lhe anciãos (presbyteroi). Este termo era tradicional nas comunidades judaicas para designar os responsáveis. Não surpreende que tenha sido retomado pelos judeu-cristãos: em Jerusalém, a primeira menção aparece já em At 11,30. Por outro lado, não o encontramos nas cartas de Paulo, exceto nas epístolas pastorais, redigidas provavelmente por um discípulo: os anciãos são instituídos por imposição das mãos (1Tm 5,22). Enquanto Paulo pudesse seguir por si mesmo a vida das congregações, a instituição dos ministérios podia permanecer na sombra. Isto não impede que Paulo tivesse a preocupação de apoiar aqueles que haviam aceitado tomar a direção das comunidades, como em Tessalônica ou em Corinto.

Tendo partido de Antioquia com o apoio dos fiéis, os missionários voltam para contar “tudo o que Deus realizara com eles, e, sobretudo como tinha aberto aos pagãos a porta da fé” (At 14,27). Atmosfera de alegria e de ação de graças, bem à maneira de Lucas! Mas os obstáculos foram todos afastados?



2. A segunda viagem missionária

a) Resumo e itinerário

Segunda viagem missionária: Paulo vai à Europa, 16:1-18:17: Galácia e A. Menor, 16:1-10. Timóteo e Paulo, 16:1-5 Missão a Trôade, 16:6-10. Trabalho na Macedônia, 16:11-17:15. Em Filipos, 16:11-50. Em Tessalônica, 17:1-9. Em Beréia, 17:10-15. Na Acaia, 17:16-18:17. Esta última fase inclui Atenas e Corinto.

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b) A missão da segunda viagem

Segunda viagem (49-52; At 15,36-18,22). P. não demorou muito em Antioquia, mas visitou com Silas as co-munidades cristãs da Síria, da Cilicia, de Derbe, Listra e Antioquia da Pisídia. Em Listra conheceu Timóteo, que se tornou um dos colaboradores mais fiéis do apóstolo (15,35-16,5). Daí surgiu com Silas para a Frígia, a terra dos gálatas, onde foi detido por uma doença e recebido “como um anjo de Deus”, como o próprio Cristo (Gl 4,13-15).
Depois de atravessar a Míssil chegou em Tróade (16,6-8), onde se encontrou com um médico, Lucas, que se juntou à sua companhia. No mesmo lugar teve a visão noturna do Macedônia, clamando por socorro. Seguiu imediatamente para a Macedônia e via Neápolis para Filipos, onde foi fundada uma comunidade muito flores-cente, composta quase exclusivamente de gentios (16,11-40;1 Ts 2,2), que mostrou grande afeição para com P. (Flp 1,3-8.10-16). Os magistrados da cidade mandaram prender P. e Silas; mas, durante a noite, foram soltos por serem cidadãos romanos.
Pela Via Egnatia os missionários continuaram sua viagem, por Anfípolis e Apolônia, até Tessalônica. Aí P. pregou durante três semanas na sinagoga e converteu numerosos “tementes a Deus” e alguns judeus, teve tam-bém muitas conversas nas casas particulares (1 Ts 2,11s), sobretudo à noite, porque de dia exercia a sua profissão (2,7-10). Apesar da oposição de alguns (2,14), Paulo fundou uma comunidade florescente, composta sobretudo de gentio-cristãos.
De Tessalônica P. e Silas partiram para Beréia, onde numerosos judeus e gentios da elite foram conquistados para o cristianismo, até que P., pelas ameaças dos judeus, foi obrigado a abandonar a cidade. Deixou Silas e Ti-móteo em Beréia e viajou sozinho a Atenas (17,1-5); aí Timóteo se ajuntou a P., mas foi mandado de volta a Macedônia (1 Ts 3,1-6).
Em Atenas Paulo pregou na sinagoga e no mercado. Alguns ouvintes, entre os quais havia filósofos epicuristas e estóicos, pensaram que estivesse anunciado novos deuses; foi convidado para apresentar a sua doutrina no Areópago; aí Paulo pregou o Deus único. Mas, quando começou a falar sobre o juízo e a ressurreição, interrom-peram-no. Alguns gentios apenas deixaram se convencer Dâmaris e Dionísio.
O Apóstolo aos gentios entristeceu-se profundamente por esse fracasso (1 Ts 3,3s) e desanimou (cf. 1Cor 2,3). Nesse estado chegou a Corinto, com o firme propósito de renunciar doravante à eloqüência e sabedoria humanas, e de só conhecer e pregar o Cristo crucificado (1 Cor 2,2). Em Corinto esteve durante 18 meses hospedado com Áquilas e Priscila. Nos dias de semana exercia a sua profissão; nos sábados pregava na sinagoga. Quando Silas e Timóteo, porém, lhe trouxeram ajuda financeira dos filipenses (2 Cor 11,9; Fp 4,16), dedicou-se ele inteiramente à pregação. Converteu alguns judeus (18,8; 1 Cor 1,14) e muitos pagãos, principalmente das classes mais baixas, sem cultura (1 Cor 1,26).
Em Corinto, Paulo escreveu 1Tes e 2Tes. Invejosos do seu sucesso, os judeus o acusaram diante de Galião, provavelmente no princípio de seu consulado (meados de 52), como propagandista de um “religião ilícita”. Gali-ão, porém, rejeitou a acusação dos judeus. Em Corinto o apóstolo embarcou-se para a Síria, junto com Áquilas e Priscila. Deixou seus companheiros em Éfeso, aterrou em Cesaréia, visitou talvez Jerusalém, e voltou para Anti-oquia (At 18,18-22).


3. A terceira viagem missionária

a) Resumo e itinerário

Terceira viagem missionária: Paulo vai à Ásia Menor, 18:18-19:41. Viagem de confirmação das igrejas, 18:18-23, Apolo, 18:24-28. Paulo em Éfeso, 19:1-41. Retorno à A. Menor, 19:1=12. Paulo e os exorcistas, 19:13-20. Planos de Paulo sobre o futuro, 19:21-22. O levante em Éfeso, 19:23-41.

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b) A missão da terceira viagem

Terceira viagem (53-58; At 18,23-21,14). Pouco depois partiu novamente para a Galácia (cf. Gl 4,13), onde reinavam a piedade e a paz nas comunidades cristãs (1,6; 5,7), atravessou a Frígia, as montanhas do centro da Ásia Menor e o vale do Meandro, e chegou a Éfeso (At 18,23; 19,1.8.10; 20,31). Aí Priscila e Áquilas já haviam completado a instrução cristã de Apolo, judeu alexandrino douto e eloqüente que com zelo e sucesso pregara o cristianismo na sinagoga, e já partira para Corinto (18,24-28; 19,1).
Em Éfeso Paulo conheceu também uma dúzia de discípulos de João Batista, que ele ganhou para o cristianis-mo (19,2-7), e pregou durante três meses na sinagoga. Como a maior parte dos judeus continuava incrédula, di-rigiu-se aos pagãos, pregando no auditório de um tal de Tirano, provavelmente um retor grego.
Lucas narra detalhadamente alguns episódios das atividades de P. em Éfeso; curas e expulsão de demônios, a destruição de um grande número de livros de magia (19,11-19) e o tumulto que, depois de três anos, ocasionou o fim da estadia de P. naquela cidade (19,23-20,1). At 19,20.26 refere-se em termos vagos à propagação do cristi-anismo “por toda a Ásia”. De fato, abrira-se para P. em Éfeso “uma porta larga e poderosa” (1Cor 16,9); quem a abriu foi ele mesmo e os seus colaboradores (Timóteo, Tito, Erasto, Gaio, Aristarco e Epafras: At 19,22,29; 2Cor 12,18; Cl 1,7); e fundaram-se comunidades cristãs em Colossos, Laodicéia, Hierápolis (Cl 1,7; 2.1; 4,12s), Tróade (At 20,5-12; 2Cor 2.12) e mui provavelmente também em Esmirna, Tiatira, Sardes e Filadélfia (Ap 1:11).
Em Éfeso Paulo sofreu muitas e duras provações: perseguições da parte dos judeus (20:19; cf. 21:27), uma determinada tribulação que “acima de suas forças” o oprimiu, a ponto de ele “perder a esperança de conservar a vida” (2Cor 1:8), uma doença ou perigo mortal (cf. 2Cor 1:9s; 11:23), uma luta contra as feras (1Cor 15:32), seja em sentido literal, seja em sentido metafórico, de uma luta contra homens maus e violentos; afinal, em Rm 16:4 Paulo fala num perigo mortal, do qual foi salvo por Priscila e Áquilas; esse acontecimento desconhecido deve-se localizar provavelmente em Éfeso.
Além disso Paulo andava muito preocupado com algumas comunidades cristãs. Os gálatas quase deixaram afastar-se dele pelos judaizantes; escreveu-lhes Gálatas. Na comunidade de Corinto infiltraram-se graves abusos morais. Paulo reagiu numa carta que se perdeu (1Cor 5:9), e mandou Timóteo e Erasto a Corinto (At 19:22; 1Cor 4:17).
Depois, vieram de Corinto alguns cristãos com uma carta da comunidade, na qual se propunham a P. diversas perguntas. A essa carta P. respondeu com 1 Cor, provavelmente em 55. Entretanto, chegaram a Corinto alguns judeu-cristãos que minaram a autoridade de Paulo. Esse resolveu então ir pessoalmente a Corinto (2Cor 2:1; 12:14; 13:1s). Esta “visita intermediária” efetuou-se em tristeza, pois Paulo não conseguiu quebrar a desconfiança dos coríntios, e foi até ofendido por um cristão (2Cor 2:1.5; 7:12; cf. 12:21).
Demorou pouco, e voltou a Éfeso, de onde dirigiu “com muitas lágrimas” uma terceira carta aos coríntios (2Cor 2:4,9; 7:8,12). Tito foi portador dessa carta, que não foi guardada. Nela Paulo exigia desagravo e a sub-missão da comunidade (2Cor 2:9).
Enquanto aguardava o resultado da carta e da missão de Tito, Paulo foi obrigado a deixar Éfeso. Viajou para Tróade (20:1; 2Cor 2:13), onde esperava encontrar-se com Tito. Quando esse demorava, embarcou para Mace-dônia. Aí encontrou-se com Tito (provavelmente em Filipos) e ouviu, com muita alegria, que os coríntios se submetiam.
Da Macedônia escreveu-lhes 2Cor (em 57). Depois de uma visita às comunidades da Macedônia e, talvez, depois de uma viagem pela Ilíria (Rm 15:19), Paulo cumpriu a promessa já antiga de visitar Corinto (1Cor 16:5), onde ficou três meses (At 20:3). Em Corinto P. escreveu Rm (fins de 57 ou princípios de 58), para preparar uma visita há muito planejada (At 29:21).
Para terminar essa viagem, Paulo queria viajar por mar a Síria, junto com os representantes das comunidades que haviam arrecadado dinheiro para os cristãos, mas, por causa de um atentado contra a sua vida, tramado pelos judeus, viajou por terra. Em Filipos, Lucas ajuntou-se a ele; em Tróade esperavam-no os companheiros de via-gem. Em Tróade tomaram o navio para Mileto, onde P. mandou chamar os anciãos de Éfeso, para se despedir; pressentia que nunca mais os veria (20:1-38). Depois navegaram até Tiro, onde profetas tentaram convencer P. que não fosse a Jerusalém. P., porém, continuou sua viagem até Ptolemaide e daí por terra até Cesaréia, onde durante vários dias foi hóspede de Filipe, um dos Sete (At 6:5). Um profeta da Judéia, Ágabo, predisse que em Jerusalém esperavam-no algemas e prisão, mas P. não se deixou reter (21:1-16).


III – AS PRISÕES DO APÓSTOLO PAULO

5. O Resumo dos últimos capítulos de “Atos dos Apóstolos”

• Visita final de Paulo à Macedônia e à Acaia, 20:1-4.
• Paulo vai a Jerusalém, 20:1-6. De Filipos a Mileto, 20:5-16. Defesa de Paulo ante os anciãos de Éfeso, 20:17-38. De Mileto ante a Cesaréia, 27:1-14. Paulo com a igreja em Jerusalém, 21:15-26.
• Paulo, prisioneiro em Roma, 21:27-28:31.
a. Detenção e defesa, 21:27-22:29.
b. Perante o sinédrio, 22:30-23:11.
c. Transferência para Cesaréia, 23:12-35.
d. Em Cesaréia, 24:1-26:32. Paulo e Félix, 24:1-27. Paulo e Festo, 25:1-27. Defesa de Paulo perante Agripa, 26:1-32.
e. Viagem a Roma, 27:1-28:16.
f. Paulo em Roma, 28:17-31.

6. A Prisão de Paulo em Jerusalém (Atos 21, 22 e 23)

a) O objetivo da viagem a Jerusalém (21:1-16)

Entregar a oferta proveniente das igrejas gentílicas para os crentes pobres de Jerusalém. Foi uma grande oferta. Paulo levou um ano a arrecadá-la, 2 Co 8:10. Todavia, foi avisado muitas vezes, ao passar pelas cidades da Ásia, que essa viagem resultaria em prisão, 20:23. Em Tiro, 21:4, e em Cesaréia, 21:11, o aviso foi repetido com ênfase especial. De cada vez é o Espírito quem adverte. Até Lucas fez coro na rogativa, 21:12; Mas estava arraigado, definitivamente, no espírito de Paulo que aquela era a vontade de Deus, mesmo que significasse sua morte, 13:14. Por que esses avisos da parte de Deus? Podia dar-se o caso de Paulo estar enganado e de Deus estar procurando fazê-lo ciente disso? Ou seria que Deus o estava provando? Ou o preparando? De qualquer modo, Paulo estava determinado a fazer a viagem. Uma coisa é que ele a prometera anos antes, Gl 2:10. Consi-derava aquilo o meio mais prático de demonstrar a unidade da igreja. Levara sua vida a ensinar aos gentios de que podiam ser cristãos sem se tornarem prosélitos dos judeus, razão por que muitos dos seus irmãos judeus o odiavam rancorosamente. Agora, desejava coroar esse trabalho com uma demonstração genuína e proveitosa de fraternidade cristã da parte dos seus convertidos gentios, como último e duradouro sinal de amor fraternal entre judeus e gentios. Vista sob este aspecto, esta visita de Paulo a Jerusalém é um dos eventos históricos mais im-portantes do N.T. Possivelmente, também, ele nunca podia esquecer a agonia dos crentes judeus, homens e mu-lheres, quando os lançava em prisão, anos antes, At 8:3, e estava há muito tempo resolvido, tanto quanto estives-se em suas forças, a compensar a Igreja Judaica pelos sofrimentos pelos quais a fizera passar.

b) Paulo em Jerusalém

Chegou ali mais ou menos em junho, 59 d.C., 20:16. Foi a quinta visita que se registra, depois da sua conversão. No decurso deste período, tinha ganho vastas multidões de gentios para a fé cristã, e por causa disto era odiado pelos judeus descrentes.
Depois de ter passado quase uma semana em Jerusalém, cumprindo seus votos no Templo, certos judeus o reconheceram. Começaram a gritar, e dentro de um instante, a turba estava por cima de Paulo como uma matilha de cães. Os soldados romanos apareceram em cena em tempo para salvá-lo de ser morto às pancadas.
Na escada do castelo romano, o mesmo onde Pilatos condenara Jesus à morte 28 anos antes dele, Paulo, com permissão do comandante, fez um discurso à turba, contanto como Cristo lhe aparecera no caminho para Damasco. Escutaram até que mencionou a palavra “gentios”, e então a turba se enfureceu contra ele.
No dia seguinte, os oficiais romanos trouxeram Paulo perante o Sinédrio, para descobrir o que os judeus tinham contra ele. Foi o mesmo concílio que entregou Cristo para ser crucificado; o mesmo Concílio do qual Paulo fora membro; o mesmo Concílio que apedrejara Estêvão, e que repetidos esforços fizera para esmagar a Igreja. Paulo correu perigo de ser espedaçado ali, e os soldados o retiraram dali, levando-o de volta ao castelo.
Na noite seguinte, lá no castelo, o Senhor Se revelou a Paulo, assegurando-lhe que protegeria seu caminho até Roma, 1:13. Em Éfeso, foi combinado que Paulo iria a Roma depois desta visita a Jerusalém, 19:21, mas depois, Paulo nem teria certeza de sair vivo de Jerusalém, Rm 15:31,32. Mas agora, Paulo estava com absoluta CERTEZA, pois o próprio Deus prometera que faria a viagem.
No dia seguinte, os judeus enredaram outra cilada contra Paulo. Fervia a fúria popular. Tornou-se neces-sário preparar uma escolha excepcional, de 70 cavaleiros, 200 soldados, e 200 lanceiros para tirar Paulo de Jeru-salém, e mesmo assim, na escuridão da noite.

7. A Prisão de Paulo em Cesaréia (Atos 24, 25 e 26)

Essa prisão ocorreu no verão de 59 ao outono de 61 d.C.
Cesaréia fora o lugar onde 20 anos antes Pedro recebera na igreja o primeiro gentio, Cornélio, oficial do exército romano. Possivelmente, foi esta a razão pela qual Félix conhecia alguma coisa a respeito do “caminho”, 24:22.
Lucas esteve com Paulo em Cesaréia. Pensa-se que foi por esse tempo que ele escreveu seu Evangelho. Esta é a única visita de Lucas a Jerusalém de que se tem notícia. Sem dúvida, aproveitou oportunidades de visitar Jerusalém muitas vezes, talvez também a Galiléia, para conversar com todos os apóstolos e primeiros com-panheiros de Jesus que pôde encontrar. Maria, mãe de Jesus, podia ainda estar viva, de cujos lábios ele pode ter ouvido, diretamente, a história com que inicia o seu Evangelho.
Israel moderno, cônscio da sua história como nação, toma grande cuidado dos monumentos históricos an-tigos, e há alguns anos Cesaréia recebeu a atenção dos arqueólogos. As obras do porto antigo têm sido examina-das por escafandristas, que obtiveram informações interessantes. O teatro está sendo escavado, e um achado sur-preendente tem sido uma inscrição fragmentária com o nome de Pôncio Pilatos. A cidade era seu quartel-general como Procurador romano, e cenário de um debate famoso entre ele e uma deputação de judeus de Jerusalém. Obstinado e arrogante, Pilatos tinha pendurado escudos votivos no palácio de Herodes, consagrado ao Impera-dor. Os judeus, enviando representantes ao Imperador Tibério, venceram na sua objeção contra símbolos pagãos na Cidade Santa, e Pilatos tinha que levar ao santuário de Roma, em Cesaréia, estes símbolos de sua lealdade desajeitada ao Império.

a) Paulo perante Félix, 24:1-27. As acusações, v. 5: era “uma peste”, acusação muito vaga; “promotor de sedi-ções entre os judeus”, absolutamente falso, porque Paulo invariavelmente ensinava obediência ao governo; “ten-tara profanar o templo”, v. 6, levando lá Trófimo, 21:29, o que não fez; “principal agitador dos nazarenos”, o que ele reconheceu e que não era contra nenhuma lei, judaica ou romana. Paulo nunca deixou de mencionar a ressurreição, v. 15.
Félix casara-se com uma judia, estava familiarizado com as praxes judaicas e conhecia algo a respeito de Cristo. Estava profundamente impressionado e mandou chamar Paulo para que lhe explicasse mais o Evangelho, com o que ficou aterrorizado. Sua cupidez, porém, v. 26, impediu que ele aceitasse Cristo ou soltasse Paulo.
Festo foi nomeado sucessor de Félix em 60 d.C. Foi no intervalo entre a partida de Félix e a chegada de Festo que as autoridades de Jerusalém se aproveitaram da ausência de um oficial romano do executivo e assassi-naram Tiago, irmão de Jesus.

b) Paulo perante Festo, 25:1-12. Os judeus ainda armavam emboscada a Paulo, v. 3, porque parece que tinham pouca esperança de convencer um governador romano de ter Paulo feito alguma coisa digna de morte. Sendo acusado perante Festo e vendo que este se propunha a agradar aos judeus, e que não havia esperança de que lhe fizessem justiça. Paulo anunciou, ousadamente, a Festo, que estava pronto a morrer se merecesse a morte, e ape-lou para César o que como cidadão romano tinha o direito de fazer. Diante disto, Festo nada pôde fazer senão anuir à apelação. Naquele tempo o César era Nero, bruto e desumano. Paulo, porém, sabia que, se deixasse o seu caso com Festo, seria devolvido ao sinédrio judaico, o que significaria condenação certa. Sendo assim, escolheu Nero. Além disso, queria ir a Roma.

c) Paulo perante Agripa, 25:13-26:32. O discurso de Paulo perante Agripa e o outro em Atenas são, geralmente, considerados dois dos mais soberbos exemplos de oratória da literatura. São ambos muito breves, simples resumo do que ele deve ter dito, porque é dificilmente crível que, num e noutro caso, ele falasse menos de uma hora.
Esse Agripa era Herodes Agripa II, filho de Herodes Agripa I, que, 16 anos antes, matara Tiago, o irmão de João, 12:2; era neto de Herodes Antipas que matara João Batista e escarnecera Jesus, e bisneto de Herodes, o Grande, que trucidara os meninos de Belém, ao tempo de nascimento de Cristo. Sua capital era Cesaréia de Fili-pe, próxima do cenário da transfiguração de Jesus, 30 anos antes.
Berenice era sua irmã, vivendo com ele como esposa. Fora casada com dois reis, voltara para ser esposa do próprio irmãos, e mais tarde veio a ser amante de Vespasiano e Tito. Imagine-se Paulo a defender-se diante de um par de pessoas desse quilate.
Agripa, cuja família estivera tão intimamente relacionada com toda a história de Cristo, naturalmente es-tava curioso por ouvir um homem do calibre de Paulo, que tanta excitação causara entre as nações a respeito de uma Pessoa que sua própria família houvera condenado.
A única discordância que Festo pôde ver entre Paulo e seus acusadores era que aquele pensava ainda estar vivo Jesus, ao passo que os acusadores O julgavam morto, 25:19.
A grande pompa, v. 23, que Festo arranjou para a ocasião era testemunho da personalidade dominante de Paulo, porque certamente um preso comum não provocaria tal exibição de esplendor real.
Notar a cortesia uniforme de Paulo, do princípio ao fim, se bem que conhecesse o caráter dissoluto do rei.
Notar, outrossim, que ele reconheceu ser a ressurreição de Jesus a única causa da questão. (H. H. Halley).

d) Previdência Divina. A história revela que a maldade humana é controlada pela soberania divina. Os judeus desejavam que Paulo fosse transferido de Cesaréia para Jerusalém. Tivesse Festo atendido às exigências deles, talvez o Novo Testamento não contasse com Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom. (Sanders). Além disso, estava a salvo de todos os judeus.
Chegou a ser manifesto a todos (Filipenses 1:12, 13). Teve oportunidade para testificar aos soldados que o guardavam. Foi visitado por amigos das diferentes igrejas (Filipenses 2:25; 4:10).

8. A prisão de Paulo em Roma

Roma era chamada de “Cidade rainha da terra”. O Grande centro de interesse histórico. Durante dois mi-lênios (2.º séculos a.C. ao 18.º d.C.) foi a potência dominadora do mundo. É ainda chamada “Cidade Eterna”. A população, na época de Paulo, era de 1 milhão e meio de seres humanos, metade de escravos. Capital de um im-pério que se estendia 4.800 km de leste a oeste, 3.200 km de norte a sul. A população total do Império era de 120 milhões de almas. Por apelar a César, o Apóstolo aos gentios teve que ir para Roma.

a) A viagem de Paulo a Roma (At 27:1-28:15)

Essa viagem começou no outono de 61 d.C. e terminou na primavera de 62 d.C.
Foi feita em três navios: Um de Cesaréia a Mirra; outro de Mirra a Malta; o terceiro de Malta a Potéoli.
“O jejum”, v. 9, foi dia da expiação, mais ou menos no meado de setembro. Daquele tempo ao meado de novembro a navegação no Mediterrâneo era perigosa. Do meado de novembro ao primeiro de março esteve sus-pensa.
Pouco depois de ter deixado Mirra, caíram em ventos contrários, e depois de se abrigarem um pouco em Bons Portos, se arriscaram outra vez, e foram acometidos por um tufão que os levou longe da sua rota; depois de muitos dias, não havendo mais esperança, Deus, que dois anos antes, em Jerusalém, prometera a Paulo que o levaria a Roma, 23:11, mais uma vez aparece a Paulo para lhe assegurar que Sua promessa seria cumprida, 27:24. E foi. (H.H. Halley).
Paulo foi levado a Roma com mais uns presos. Foi confiado a um centurião e alguns soldados da corte imperial. Aristarco e Lucas o acompanharam. Embarcaram, navegaram ao longo da costa de Creta, de onde uma tempestade veemente de vários dias os levou para a costa de Malta. O navio encalhou num escolho e os náufra-gos passaram o inverno na ilha. Depois navegaram via Sicília até Potéoli, onde P. e seus companheiros durante oito dias foram hóspedes da comunidade cristã. Pela Via Ápia chegaram a Roma (Dicionário).

b) Paulo em Roma

A primeira coisa que Paulo fez ao chegar a Roma foi convocar os líderes judeus para poder justificar-se das acusações contra ele, e para obter uma audiência amigável. É este o último registro de sua tentativa da ganhar os judeus. Observemos o resultado da sua pregação (28:24-28; compare com Mateus 13:13-15; João 12:40; Mateus 21:43).
Paulo passou dois anos ali, no mínimo, 28:30. Apesar de ser prisioneiro, tinha licença de morar numa casa própria alugada, com seu guarda, 28:16. Tinha licença de receber visitas, e de ensinar sobre Cristo. Já havia um bom número de cristãos ali (ver as saudações que enviou três anos antes, Rm 16). Os dois anos que Paulo passou ali foram muito frutíferos, atingindo o próprio Palácio, Fp 1:13; 4:22. Enquanto estava em Roma, escreveu as Epístolas aos Efésios, Filipenses, Colossenses, Filemom e possivelmente, Hebreus.

c) O consolo de Paulo em Roma

Em Roma P. obteve licença de, embora guardado sempre por um soldado, morar em casa própria, junto com os companheiros de viagem, e podia receber livremente qualquer pessoa (Cl 4,10). Logo apareceram diversos de seus colaboradores, bem como representantes da maioria das comunidades cristãs: Timóteo (Cl 1,1), Marcos (4,10), Epafras de Colossos (1,6s), Tíquico da Ásia Menos (provavelmente Éfeso; 4,7) Demas Justo (Cl 4,11), Lucas (4,14), Marcos (Fm 24), Onésimo (Fm; Cl 4,9). Dois deles, Aristarco e Épafras (At 27,1; Cl 4,10; Fm 23), compartilharam voluntariamente sua prisão. P. aproveitou-se de sua relativa liberdade para pregar o evangelho: primeiro, novamente, aos judeus (At 28,17-28), mas também aos soldados que o guardavam e a outros romanos (Fp. 1,12s). Em Roma P. escreveu as chamadas “Epístolas do cativeiro” (Ef, Cl, Flp, Fm). Nas duas últimas transparece a sua esperança de ser libertado em breve (Fm 22; Flp 1,26; 2,24). At 28,30 parece sugerir a mesma coisa, pois Lucas, embora comunique que P. morou dois anos naquela casa, não diz nada sobre o resultado do processo.


d) Especulações sobre os últimos dias de Paulo

Os últimos anos de Paulo só conhecemos (fazendo-se abstração das informações de Clemente romano) por uma combinação de dados avulsos das epístolas pastorais. Alguns opinam que o apóstolo foi executado du-rante a perseguição de Nero, em 64.
Conforme os outros Paulo teria visitado a Espanha (Rm 15,24.28) e ainda teria trabalhado em Creta (Ti 1,5), Éfeso (1Tim 1,3), de onde visitou talvez Colossos (Fm 22), Hierápolis, Laodicéia e Mileto (2 Tim4,20), e na Macedônia. Em Nicópolis, no Epiro (Tt 3,12), teria escrito Ti e 1Tim.
Alguns pensam que P. penetrou até na Ilíria (2Tim 4,10), voltando depois por Tróade (2 Tim 4,13) para Éfeso (1 Tim 3,14). Em todo caso, 2 Tim supõe que P. foi preso novamente, e está em Roma (2 Tim 1,8. 16s; 2,9), onde só Lucas ficou com ele (4,10s).
Paulo queixa-se de que na sua primeira defesa os cristãos da Ásia Menor o abandonaram (1,15). Não há nenhum indício de contato com o apóstolo Pedro. Paulo menciona, entretanto, o apoio de alguns discípulos fiéis: Onésimo, Tito, Crescente, Tíquico, que havia mandado respectivamente à Dalmácia, à Galácia (ou à Gália?) e a Éfeso (4,10.12), e prepara-se para o martírio (4,7s).

e) A execução de Paulo

Deduz-se da tradição e de algumas referências, que Paulo foi posto em liberdade por mais ou menos 2 anos (veja Filipenses 1:24-26;2:24; Filemom 24; 2 Timóteo 4:17). Nesse período de liberdade provavelmente escreveu as epístolas a Timóteo e a Tito.
Acredita-se que depois desses dois anos, Paulo foi novamente preso e finalmente executado durante a perseguição que Nero promoveu contra os cristãos.
Diz-se a tradição que, como resultado de haver apelado para César, após dois julgamentos no ano 68 d.C., Paulo foi executado, fora da cidade.
Relata-se que Nero saiu de viagem enquanto Paulo estava em Roma. Entretanto, uma de suas concubinas foi ganha para o Senhor por intermédio do apóstolo. Quando Nero voltou para casa, ela havia juntado a um gru-po cristão, abandonando o imperador. Nero ficou tão furioso que descarregou sua ira sobre Paulo, que foi levado para a Via Óstia onde o executaram.

CONCLUSÃO

A maneira pela qual Paulo usou seus infortúnios deveria estimular os que estão “presos” em virtude de má saúde ou de outros motivos, a serem engenhosos na busca de meios pelos quais possam usar as circunstâncias limitadoras com vantagem. Paulo está agora prestes a passar a tocha ao jovem Timóteo. “Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas”, escreve ele; “suporta as aflições, faze o trabalho de evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério. Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado. Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia” (2 Timóteo 4;5-8).
Visto que o seu próprio ministério chegava ao fim, Paulo exortava Timóteo a cumprir cabalmente o dele, a qualquer custo. A palavra grega “partida” é a mesma usada com referência a soltar as amarras de um navio. O apóstolo estava zarpando da praia celestial, porém fazia-o com um senso de “missão cumprida”. Que modelo para Timóteo – e para nós também! A tocha está agora em nossas mãos!



















BIBLIOGRAFIA

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COTHENET, Édouard. Petie vie de Saint Paul. Desclée de Brower, Paris, 1995.

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PEARLMAN, Myer. Atos: E as igreja se fez missões. CPAD, 1ª edição, Rio de Janeiro, 1995.

SANDERS, J. Oswald. Paulo, o líder. Editora Vida, 2.ª edição, São Paulo, 1988.

AS 95 TESES DE LUTERO

Contra o comércio das indulgências

31 de outubro de 1517




Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade, discutir-se-á em Wittemberg, sob a presidência do Rev. Padre Martinho Lutero, o que segue. Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco, o poderão fazer por escrito. Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.


1ª Tese


Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos... etc., certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo e ininterrupto arrependimento.


2ª Tese


E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se ao sacramento da penitência, isto é, à confissão e satisfação, a cargo dos sacerdotes.


3ª Tese


Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda sorte de mortificação da carne.


4ª Tese


Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência, perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a saber, até à entrada para a vida eterna.


5ª Tese


O papa não quer e não pode dispensar de outras penas além das que impôs ao seu alvitre ou nem acordo com os cânones, que são estatutos papais.


6ª Tese


O papa não pode perdoar dívida, senão declarar e confirmar aquilo que já foi perdoado por Deus, ou então o faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes casos, se desprezados, a dívida em absoluto deixaria de ser anulada ou perdoada.


7ª Tese


Deus a ninguém perdoa a dívida sem que ao mesmo tempo o subordine, em sincera humildade, ao ministro, seu substituto.


8ª Tese


Cânones poenitentiales, que são as ordenanças de prescrição da maneira em que se deve confessar e expiar, apenas são impostos aos vivos, e, de acordo com as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos moribundos.


9ª Tese


Eis por que o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluindo este de todos os seus decretos ou direitos o artigo da morte e da necessidade suprema.


10ª Tese


Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e impõe aos moribundos penitências canônicas ou para o purgatório a fim de ali serem cumpridas.


11ª Tese


Este joio, que é o de transformar a penitência e satisfação, prevista pelos cânones ou estatutos, em penitência ou penas do purgatório, foi semeado enquanto os bispos dormiam.


12ª Tese


Outrora canônica poenae, ou seja, penitência e satisfação por pecados cometidos, eram impostos, não depois, mas antes da absolvição, com a finalidade de provar a sinceridade do arrependimento e do pesar.


13ª Tese


Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para o direito canônico, sendo, portanto, dispensados, com justiça, de sua imposição.


14ª Tese


Piedade ou amor imperfeitos da parte daquele que se acha às portas da morte, necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto menos o amor, tanto maior o temor.


15ª Tese


Este temor e espanto em si tão só, sem nos referirmos a outras coisas, basta para causar o tormento e o horror do purgatório, pois se avizinham da angústia do desespero.


16ª Tese


Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um do outro o desespero completo, incompleto ou quase desespero e certeza.


17ª Tese


Parece que assim como no purgatório diminuem a angústia e o espanto das almas, também deve crescer e aumentar o amor.


18ª Tese


Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas razões e nem pela Escritura, que as almas do purgatório se encontram fora da possibilidade do mérito ou do crescimento no amor.


19ª Tese


Parece ainda não ter sido provado que todas as almas do purgatório tenham certeza de sua salvação e não receiem mais por ela, não obstante nós termos esta certeza.


20ª Tese


Por isso o papa não quer dizer e nem compreender com as palavras "perdão plenário de todas as penas" o perdão de todo o tormento, mas tão só as penas por ele impostas.


21ª Tese


Eis por que erram os apregoadores de indulgências ao afirmarem ser o homem perdoado de todas as penas e salvo mediante indulgência do papa.


22ª Tese


Com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas do purgatório das que, segundo os cânones da igreja, deviam ter expiado e pago na presente vida.


23ª Tese


Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este apenas será dado aos mais perfeitos, que são muitos poucos.


24ª Tese


Logo, a maioria do povo é ludibriado com as pomposas promessas do indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas.


25ª Tese


Exatamente o mesmo poder geral que o papa tem sobre o purgatório, qualquer bispo e cura d’almas o tem no seu bispado e na sua paróquia, quer de modo especial e quer para com os seus em particular.


26ª Tese


O papa faz muito bem em não conceder o perdão às almas em virtude do poder das chaves (coisa que não possui), mas pela ajuda ou em forma de intercessão.


27ª Tese


Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair na caixa a alma se vai do purgatório.


28ª Tese


Certo é que, no momento em que a moeda soa na caixa, vem lucro, e o amor ao dinheiro cresce e aumenta; a ajuda, porém, ou a intercessão da igreja tão só correspondem à vontade e ao agrado de Deus.


29ª Tese


E quem sabe, se todas as almas do purgatório querem ser libertadas, quando há quem diga o que sucedeu com S. Severino e Pascoal.


30ª Tese


Ninguém tem certeza da suficiência do arrependimento e pesar verdadeiros, muito menos certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão dos seus pecados.


31ª Tese


Tão raro como existe alguém que possui arrependimento e pesar verdadeiros, tão raro também é aquele que verdadeiramente alcança indulgência, sendo bem poucos os que se encontram.


32ª Tese


Irão para o diabo, juntamente com os seus mestres, aqueles que julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência.


33ª Tese


Há que acautelar-se muito e ter cuidado daqueles que dizem: A indulgência do papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dádiva de Deus, pela qual o homem é reconciliado com Deus.


34ª Tese


Tanto assim que a graça da indulgência apenas se refere à pena satisfatória, estipulada por homens.


35ª Tese


Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem livrar almas do purgatório ou adquirir breves de confissão não necessitam de arrependimento e pesar.


36ª Tese


Tudo o cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados e sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência.


37ª Tese


Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem breve de indulgência.


38ª Tese


Entretanto se não devem desprezar o perdão e a distribuição deste pelo papa. Pois, conforme declarei, o seu perdão consiste numa declaração do perdão divino.


39ª Tese


Ë extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar diante do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e, ao contrário, o verdadeiro arrependimento e pesar.


40ª Tese


O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo; mas a profusão da indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça, pelo menos quando há oportunidade para tanto.


41ª Tese


É necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal, para que o homem singelo não julgue erradamente ser a indulgência preferível às demais obras de caridade ou melhor do que elas.


42ª Tese


Deve-se ensinar aos cristãos, não ser pensamento e opinião do papa que a aquisição de indulgências de alguma maneira possa ser comparada com qualquer obra de caridade.


43ª Tese


Deve-se ensinar aos cristãos, proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta ao necessitado do que os que compram indulgência.


44ª Tese


É que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro e livre da pena.


45ª Tese


Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer necessidade e a despeito disto gasta dinheiro com indulgências, não adquire indulgência do papa, mas desafia a ira de Deus.


46ª Tese


Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura, fiquem com o necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.


47ª Tese


Deve-se ensinar aos cristãos ser a compra de indulgência livre e não ordenada.


48ª Tese


Deve-se ensinar aos cristãos que se o papa precisa conceder mais indulgências, mais necessita de uma oração fervorosa do que de dinheiro.


49ª Tese


Deve-se ensinar aos cristãos serem muito boas as indulgências do papa enquanto o homem não confiar nelas; mas muito prejudiciais quando, em conseqüência delas, se perde o temor de Deus.


50ª Tese


Deve-se ensinar aos cristãos que se o papa tivesse conhecimento da traficância dos apregoadores de indulgência, preferiria ver a basílica de São Pedro ser reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.


51ª Tese


Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por um dever seu, preferiria distribuir o seu dinheiro aos que em geral são despojados do dinheiro pelos apregoadores de indulgência, vendendo, se necessário, a própria basílica de São Pedro.


52ª Tese


Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira, mesmo se o comissário de indulgências e o próprio papa oferecessem sua alma como garantia.


53ª Tese


São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de indulgências proíbem a palavra de Deus nas demais igrejas.


54ª Tese


Comete-se injustiça contra a palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto ou mais tempo à indulgência do que à pregação da palavra do Senhor.


55ª Tese


A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência, que é a coisa menor, com um toque de sino, uma pompa, uma cerimônia, enquanto o evangelho, que é o essencial, importa ser anunciado mediante cem toques de sino, centenas de pompas e solenidades.


56ª Tese


Os tesouros da igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências, não são bastante mencionados e nem suficientemente conhecidos na Igreja de Cristo.


57ª Tese


É evidente que não são bens temporais, porquanto muitos pregadores não os distribuem com facilidade, antes os ajuntam.


58ª Tese


Também não são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto este sempre são suficientes, e, independente do papa, operam graça do homem interior e são a cruz, a morte e o inferno do homem exterior.


59ª Tese


São Lourenço chama aos pobres, os quais são membros da Igreja, tesouros da Igreja, mas no sentido em que a palavra era usada na sua época.


60ª Tese


Afirmamos com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que estes tesouros são as chaves da Igreja, que lhe foram dadas pelo merecimento de Cristo.


61ª Tese


Evidente é que, para o perdão das penas e para a absolvição em determinados casos, o poder do papa por si só basta.


62ª Tese


O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo evangelho da glória e da graça de Deus.


63ª Tese


Este tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com que os primeiros sejam os últimos.


64ª Tese


Enquanto isso o tesouro das indulgências é notoriamente o mais apreciado, porque faz com que os últimos sejam os primeiros.


65ª Tese


Por essa razão os tesouros evangélicos foram outrora as redes com que se apanhavam os ricos e abastados.


66ª Tese


Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se apanham as riquezas dos homens.


67ª Tese


As indulgências, apregoadas pelos seus vendedores como a mais sublime graça, decerto assim são consideradas porque lhes trazem grandes proventos.


68ª Tese


Nem por isso semelhante indulgência é a mais ínfima graça, comparada com a graça de Deus e a piedade da cruz.


69ª Tese


Os bispos e os sacerdotes são obrigados a receber os comissários das indulgências apostólicas com toda reverência.


70ª Tese


Entretanto tem muito maior dever de conservar abertos os olhos e ouvidos, para que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não apregoem os seus próprios sonhos.


71ª Tese


Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é excomungado e maldito.


72ª Tese


Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e arrogantes dos apregoadores de indulgências, seja abençoado.


73ª Tese


Da mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com a excomunhão aos que em prejuízo do comércio de indulgências procedem astuciosamente.


74ª Tese


Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles que, sob pretexto de indulgências, prejudicam a santa caridade e a verdade pela sua maneira de agirem.


75ª Tese


Considerar a indulgência do papa tão poderosa, a ponto de absolver alguém dos pecados, mesmo que (coisa impossível de se expressar) tivesse deflorado a mãe de Deus, significa ser demente.


76ª Tese


Bem ao contrário afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo pode anular o menor pecado venial no que diz respeito a culpa que representa.


77ª Tese


Afirmar que nem mesmo São Pedro, se no momento fosse papa, poderia dispensar maior indulgência, constitui insulto contra São Pedro e o papa.


78ª Tese


Dizemos, ao contrário, que o atual papa, e todos os que o sucederam, é detentor de muito maior indulgência, isto é, o evangelho, dom de curar, etc., de acordo com o que diz 1 Corinto 12.6-9.


79ª Tese


Alegar ter a cruz de indulgências, erguida e adornada com as armas do papa, tanto valor como a própria cruz de Cristo é blasfêmia.


80ª Tese


Os bispos, padres e teólogos que consentem em semelhante linguagem diante do povo, terão de prestar contas desta atitude.


81ª Tese


Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a indulgência, torna difícil até homens doutos defenderem a honra e dignidade do papa contra a calúnia e as perguntas mordazes e astutas dos leigos.


82ª Tese


Haja vista exemplo como este: Por que o papa não livra duma só vez todas as almas do purgatório, movido pela santíssima caridade e considerando a mais premente necessidade das mesmas, havendo santa razão para tanto, quando, em troca de vil dinheiro para a construção da basílica de São Pedro, livra inúmeras delas, logo por motivo bastante infundado?


83ª Tese


Outrossim: Por que continuam as exéquias e missas de ano em sufrágio das almas dos defuntos e não se devolve o dinheiro recebido para esse fim ou não se permite os doadores busquem de novo os benefícios ou prebendas oferecidos em favor dos mortos, quando já não é justo continuar a rezar pelos que se acham remidos?


84ª Tese


E: Que nova santidade de Deus e do papa é esta a consentir a um ímpio e inimigo resgate uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e não livrar esta mesma alma piedosa e amada por Deus do seu tormento por amor espontâneo e sem paga?


85ª Tese


E: Por que os cânones de penitência, isto é, os preceitos de penitência, que faz muito caducaram e morreram de fato pelo desuso, tornam a remir mediante dinheiro, pela concessão de indulgência, como se continuassem em vigor e bem vivos?


86ª Tese


E: Por que o papa, cuja fortuna é maior do que a de qualquer Creso, não prefere construir a basílica de São Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro de cristãos pobres?


87ª Tese


E: Que perdoa ou concede o papa pela sua indulgência àqueles que pelo arrependimento completo tem direito ao perdão ou indulgência plenária? 88ª Tese


Afinal: Que benefício maior poderia receber a igreja se o papa, que atualmente o faz uma vez ao dia cem vezes ao dia concedesse aos fiéis este perdão a título gratuito?


89ª Tese


Visto o papa visar mais a salvação das almas mediante a indulgência do que o dinheiro, por que razão revoga os breves de indulgência outrora por ele concedidos, quando tem sempre as mesmas virtudes?


90ª Tese


Desfazer estes argumentos muito sutis dos leigos, recorrendo apenas à força e não por razões sólidas apresentadas, significa expor a igreja e o papa ao escárnio dos inimigos e desgraçar os cristãos.


91ª Tese


Se, portanto, a indulgência fosse apregoada no espírito e sentido do papa, estas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.


92ª Tese


Fora, pois, com todos este pregadores que dizem à igreja de Cristo: Paz! Paz! Sem que haja paz!


93ª Tese


Abençoados, porém, sejam todos os pregadores que dizem à igreja de Cristo: Cruz! Cruz! Sem que haja cruz!


94ª Tese


Admoeste-se os cristãos a que se empenhem em seguir seu Cabeça, Cristo, através da cruz, da morte e do inferno;


95ª Tese


E desta maneira mais esperem entrar no reino dos céus por muitas aflições do que confiando em promessas de paz infundadas.